A construção da ponte sobre o canal do
Estuário opõe o governo paulista e operadores de terminais no Porto de Santos.
A obra, anunciada em fevereiro deste ano pelo governador João Doria (PSDB),
está em processo de licenciamento ambiental pela concessionária Ecovias.
Uma audiência pública apresentou o projeto
na última terça-feira, 16, em Santos. A concessionária e o governo afirmam que
a ligação rodoviária vai melhorar o fluxo de tráfego na região e eliminar
gargalos de acesso entre as duas cidades. Já os operadores afirmam que a ponte
pode atrapalhar a entrada de navios nos terminais e prejudicar uma futura
expansão do porto.
De acordo com o presidente da Associação
Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Jesualdo Conceição da Silva, por se
tratar do maior porto da América Latina, a realização de uma obra permanente
exige cautela e estudos que não foram apresentados. "A ABTP não teve essa
discussão, que achamos importante. Não temos informações técnicas suficientes
para dizer aos operadores que essa é a melhor alternativa." Ele lembrou
que a proposta anterior era de construção de um túnel. "Não dá para dizer
o que é melhor, a ponte ou o túnel. É preciso analisar melhor o risco de cada
solução. Ainda não tivemos elementos para essa análise."
Segundo ele, o operador de um terminal
manifestou à associação sua preocupação com a ponte, pois vai interferir em sua
área de operação. "Será que os grandes navios vão passar bem por baixo?
Como fica a bacia de evolução (área de manobra das embarcações)? Também há
terminais preocupados com o túnel. Em que profundidade? O solo é adequado?
Haverá interferência no tráfego de navios? São questões que precisam ser
discutidas com as partes envolvidas e ainda não foram. A ABTP se coloca à
disposição para isso."
A construção da ponte, com 7,5 km de
extensão total, custará R$ 2,9 bilhões. O valor será bancado pela Ecovias, pois
o governo já se mostra disposto a prorrogar o contrato de concessão da malha
administrada pela concessionária, que inclui o Sistema Anchieta-Imigrantes,
principal ligação entre grande parte do interior, a capital e a Baixada
Santista.
O projeto é dos anos 1970 e foi resgatado
pelo então governador Márcio França (PSB), que tem sua base eleitoral na
região. O novo governo paulista decidiu acelerar a obra.
Para o presidente da Brasil Terminal
Portuário (BTP), Ricardo Arten, a decisão pela ponte segue na contramão de uma
tendência mundial. "Todos os portos do mundo em posição de relevância
procuram retirar e não colocar obstáculos às operações de navios "
Destacando ser a favor de uma ligação seca
entre Santos e Guarujá, "desde que seja viável e não prejudique o
porto", ele disse que o projeto da ponte não atende ao fim anunciado pelo
governo. "Vai resolver apenas 30% da mobilidade urbana atendida pelas
balsas e não vejo como pode melhorar a questão das cargas "
Conforme o executivo, a ponte contraria a
lógica de que o transporte pesado deve ser retirado da cidade. "Quando se
fez o Rodoanel, foi para tirar o caminhão da capital. Aqui é o contrário:
quando se põe uma ponte na entrada da cidade, você atrai todo aquele tráfego de
caminhões que poderia seguir pelas rodovias". Na sua avaliação, não existe
problema de cargas que justifique o investimento na ponte.
Ainda segundo Arten, se hoje a ponte
permite a passagem de navios maiores, isso pode não acontecer no futuro.
"A altura de um navio de grande porte é muito maior que há 30 ou 40 anos,
chega a 65 metros. A gente tem de pensar como será daqui a 50 ou 100
anos."
O grupo BTP seria um dos mais afetados
pela construção da ponte, muito próxima de sua área de operação e que pode
comprometer seus planos de expansão em direção ao cais do Saboó. Arten
considera que o túnel não causaria interferência.
A Companhia Docas do Estado de São Paulo
(Codesp) também se posicionou publicamente contra o projeto por prejudicar os
projetos futuros de expansão do porto, criando um gargalo para a entrada de
navios de grande porte. Também para a Codesp, a melhor alternativa seria a
construção de um túnel.
O secretário de Logística e Transportes do
Estado, João Octaviano Machado Neto, defendeu o projeto. "Temos estudos da
USP (Universidade de São Paulo), do pessoal de engenharia naval e do pessoal da
praticagem que mostram que a ponte não vai interferir nas manobras dos navios.
Todo o estuário de fundo é área de manobras e não afeta nada." Segundo
ele, a restrição aos navios de grande porte já existe e se deve ao calado do
canal de acesso ao porto, que tem 15 m de profundidade.
Conforme o secretário, a ponte vai
resolver problemas de mobilidade de uma margem à outra do estuário reclamadas
há décadas pela população. "Ela tem uma importância enorme para a Baixada
Santista, trazendo um grande impacto para a população, que hoje depende das
balsas, um serviço que é sujeito a fatores climáticos. Vai resolver também o
problema de acesso de cargas de uma margem para a outra."
A opção do túnel, segundo ele, esbarra no
alto custo e não resolve a logística das cargas, já que é dimensionado para
transporte urbano.
Machado Neto destacou que a obra será
feita sem desembolso direto do Estado, deixando claro que o governo tende a
ampliar o contrato com a Ecovias para que a concessionária banque o projeto.
"É uma questão de ajustes no contrato para garantir o investimento
privado. Será uma ampliação do prazo na forma da lei." A Agência de
Transportes do Estado de São Paulo (Artesp) informou que o projeto da ponte
ligando Santos ao Guarujá continua em análise.
Pedido
do governo
Em nota, a Ecovias informou que
desenvolveu o projeto da ponte de interligação entre as margens do Porto de
Santos a pedido do governo do Estado. Conforme a concessionária, o projeto não
apresenta restrições à navegação, nem à expansão do porto.
"O projeto inclui ponte e sistema
viário que interligarão as rodovias Anchieta e Cônego Domênico Rangoni. Para
sua elaboração, foram realizadas análises para diferentes tipos de embarcações
que operam atualmente no porto, inclusive com simulações de manobras
controladas e indicadas pela Praticagem de São Paulo, em simuladores instalados
no tanque de provas da USP." Os testes incluíram navios de grande porte,
inclusive os usados em cruzeiros.
Na terça-feira, a empresa apresentou os
principais aspectos técnicos do projeto em audiência pública realizada em
Santos, como parte do processo de licenciamento ambiental.
Os técnicos da empresa defenderam o
atendimento à logística do porto e o reordenamento do trânsito na região.
Conforme a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), se houver
necessidade, poderão ser convocadas outras audiências públicas para a discussão
do projeto. O secretário Machado Neto disse que, após ser resolvida a questão
ambiental, a ideia é chamar todos os operadores para discutir em detalhes o
projeto. (Via: DL)